terça-feira, 5 de junho de 2007
..num abismo cheio de nada...
"Suavemente, deslizei entre os lençois e comecei a acariciá-la com a nostalgia, a tristeza e a felicidade com que um ancião acariciaria a criança que fora um dia. A mulher, longe de opor alguma resistência, deixava-se tocar com uma passividade feroz, repleta de gemidos que pareciam sair de todas as aberturas do seu corpo. Esta húmida como as paredes de uma gruta, suave, modelável e morna. Explorei, ansioso, cada ponto do seu corpo, e, invadido pelo seu cheiro, pelo seu toque, pela sua ternura, pelos seus humores, arrastei-a para o interior do roupeiro, fechei a porta e fundimo-nos num abismo fora de qualquer compreensão, cheio de nada, excepto do seu grito e do meu, que encheu o roupeiro e provocou o esvoaçar – sinistro e salvador – das roupas que o móvel continha.
Das nossas bocas de trevas não saiu uma palavra, os nossos olhos não chegaram a tocar o que viam as nossas mãos, mas os nossos corpos formaram arquitecturas impossíveis, sonhos, acoplamentos em que a sua necessidade e a minha ficaram unidas para sempre.
Quando o desejo enfraqueceu, surgiu o carinho, como surge o perfume de uma pétala apertada entre os dedos."
Juan José Millás, "Uma falta íntima" (excerto)
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