sábado, 28 de abril de 2007

Amorosa antecipação



Nem a intimidade de tua fronte clara como uma festa

nem o costume do teu corpo, ainda que misterioso e tácito e de menina,

nem a sucessão de tua vida em palavras ou silêncios

serão dádiva tão misteriosa

como contemplar teu sono envolvido

na vigília de meus braços.

Virgem milagrosamente outra vez, pela virtude absolutória do sono

quieta e resplandecente como um destino que a memória escolhe,

me darás essa margem de tua vida que tu mesma não possuis.

Lançado à quietude

divisarei essa praia última de teu ser

e ver-te-ei, quiçá pela primeira vez,

tal como Deus há de ver-te,

desbaratada a ficção do Tempo,

sem o amor, sem mim.


Jorge Luis Borges

6 comentários:

Unknown disse...

Nos contos deste-me castro Alves (e um beijo), eu dou-te um beijo do Castro Alves (também um meu... eterno)

Beijo eterno

Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue. Acalma-o com teu beijo,
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!

Fora, repouse em paz
Dormindo em calmo sono a calma natureza,
Ou se debata, das tormentas presa,
Beija inda mais!
E, enquanto o brando calor
Sinto em meu peito de teu seio,
Nossas bocas febris se unam com o mesmo anseio,
Com o mesmo ardente amor!

...

Diz tua boca: "Vem!"
Inda mais! diz a minha, a soluçar... Exclama
Todo o meu corpo que o teu corpo chama:
"Morde também!"
Ai! morde! que doce é a dor
Que me entra as carnes, e as tortura!
Beija mais! morde mais! que eu morra de ventura,
Morto por teu amor!

Quero um beijo sem fim,
Que dure a vida inteira e aplaque o meu desejo!
Ferve-me o sangue: acalma-o com teu beijo!
Beija-me assim!
O ouvido fecha ao rumor
Do mundo, e beija-me, querida!
Vive só para mim, só para a minha vida,
Só para o meu amor!

b. disse...

(Ah, então devolves-me o beijo, pois este já to dei nas Nuvens... mas aceito, aceito :))

Unknown disse...

Pois já, e eu respondi-te com um do Sena... mas apeteceu-me de novo este para ti... por ser eterno

b. disse...

Pode-se dizer que isso seria quase um beijo?
Ao que parece, o autor acha que sim (e não posso senão concordar...


«Posso beber o amor pelo copo dos teus
lábios?» O disco chega ao fim; um ruído de rua
entra pela janela; não sei se ainda é dia,
ou se a noite começa. Mas o mundo
não interfere no equilíbrio frágil
das nossas vidas. Este copo não se esvazia; e
os teus olhos levam-me à fronteira
do sonho, para que a passe, e entre
contigo num país de nuvem. O meu passaporte
são as tuas mãos; o mapa que nos guia,
a respiração incerta do desejo. «Por
isso me perco», dizes. «Por isso te
encontro», respondo. E a noite que
nos separa é o dia que nos reúne.

Nuno Júdice

Unknown disse...

Podes beber todo o amor pelo copo dos meus lábios :) e não quero sair sem te deixar, também do judice, uma espécie de beijo

Lábios que encontram outros lábios
num meio de caminho, como peregrinos
interrompendo a devoção, nem pobres
nem sábios numa embriaguez sem vinho:
que silêncio os entontece quando
de súbito se tocam e, cegos ainda,
procuram a saída que o olhar esquece
num murmúrio de vagos segredos?
É de tarde, na melancolia turva
dos poentes, ouvindo um tocar de sinos
escorrer sob o azul dos céus quentes,
que essa imagem desce de agosto, ou
setembro, e se enrola sem desgosto
no chão obscuro desse amor que lembro.

b. disse...

Húmido de beijos e de lágrimas,
ardor da terra com sabor a mar,
o teu corpo perdia-se no meu.

(Vontade de ser barco ou de cantar.)

do Eugénio de Andrade (e meu), um beijo-síntese :)